CM Mangualde

História de Mangualde


Caracterização geográfica e histórica

 

O concelho de Mangualde insere-se administrativamente no Distrito de Viseu, com uma parcela territorial de 219,3 km2. Integra a Região Centro, NUT II, anexo_2_-_Formacaofazendo parte da NUT III – Dão-Lafões, e compõe as Regiões Demarcadas do Vinho do Dão, do Queijo da Serra da Estrela e Maçã Bravo de Esmolfe. Os resultados preliminares do Censos 2011 apontam uma população de 19.879. É dotado de infraestruturas viárias de acesso e internas de boa qualidade, nomeadamente a A25 e a linha ferroviária da Beira Alta. As infraestruturas básicas de eletricidade, saneamento e água, e as de apoio social como as de saúde e as de educação cobrem praticamente a totalidade da população do concelho. Os três sectores de atividade económica estão presentes, ocupando o sector terciário a maioria da população ativa, seguido pelo secundário e por fim pelo primário.

É constituído por 12 freguesias. Os seus limites geográficos resultam da reforma administrativa de 1853, que também originou a nova denominação por ficar a sede na então Vila de Mangualde (anexo 1), por fusão dos concelhos de Azurara, de Tavares, de Abrunhosa-a-Velha, do Couto de Maceira Dão e da anexação das localidades de Gandufe e de Vila Nova à freguesia de Espinho.

Inserido na plataforma do Mondego e definido como um vasto planalto rodeado por montanhas integra o planalto beirão. A Norte e a Nordeste delimita-se pelas serras da Nave, Côta, Leomil e Lapa, a Noroeste pela Serra do Caramulo, Gralheira e Montemuro, e a Sudeste pela Serra da Estrela. Atinge a altitude máxima, 765 m, no alto do Monte do Bom Sucesso, em Chãs de Tavares. Formado por pequenas montanhas, o território estende-se em direção à Senhora do Pranto. Banhado a Noroeste pelo rio Dão e pelo seu afluente Ludares, confronta a Este com terras de Fornos de Algodres. A Sudoeste é o concelho de Nelas e a Sudeste o rio Mondego que marcam as fronteiras. É visitado por vários cursos de água que subsidiam estes dois importantes percursos fluviais.

Os solos, compostos por granitos calco-alcalinos e alcalinos, porfiroides e equigranulares, de grão médio e fino, biotíticos ou de duas micas, apresentam também pequenas manchas de xistos grauvaques e rochas do complexo xisto-migmatítico. Fazem parte da “Civilização do Granito”. O clima é ameno, sendo o pico máximo de temperatura atingido, habitualmente, em Agosto e o mês mais frio é Janeiro.

O fim do Würm III – há cerca de 15.000 anos – aniquilou o coberto vegetal da Europa, e o degelo subsequente permitiu a génese de uma nova vegetação, determinando uma paisagem radicalmente diferente. Na atualidade, a paisagem vegetativa do concelho compõe-se de pinheiro bravo, pequenas manchas de pinheiro manso e de uma considerável presença, recente, de eucalipto. Algumas espécies de carvalho, sobreiro e azinheira também povoam este território. Do castanheiro, vitimado por doença, pouco resta. A mata é revestida pelo tojo, giesta, feto, urze, rosmaninho e silva. Agricolamente é a vinha, o milho, a batata, as leguminosas e a oliveira que predominam, a par duma grande diversidade de árvores de fruto.

Pré e Proto-História

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São exíguos os vestígios materiais reveladores de uma ocupação humana do território para os períodos cronológica e culturalmente definidos como do Paleolítico Inferior, Médio e Superior. Alguns artefactos de pedra lascada e polida, achados à superfície durante levantamentos arqueológicos, não permitem ilações culturais contextualizadas. Datam do IV e III milénios a. C. os megálitos ainda conservados: Orca dos Padrões e Anta da Cunha Baixa.

Com a chegada da metalurgia (cobre, bronze e ferro) operam-se transformações no modo de vida das populações. Procuram-se locais elevados para a edificação dos povoados, por norma fortificados, e adensa-se a rede de povoamento. Intensifica-se uma agricultura mais evoluída, desenvolvem-se os processos de fabrico de cerâmica, de fiação, tecelagem e moagem. Deste período é o complexo de arte rupestre da Quinta da Ponte, na freguesia de Espinho, o Castro do Bom Sucesso, em Chãs de Tavares e o monte da Senhora do Castelo. A arqueologia evidencia para este território as influências dos povos celtas da Idade do Ferro, nomeadamente nos castros do Bom Sucesso, Senhora do Castelo, castro de Fornos de Maceira Dão e um provável na Serra da Poisada.

Época Romana

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Em 218 a. C., o desembarque das tropas romanas, na sequência das Guerras Púnicas, enceta a ocupação e domínio da Hispânia mantido até ao séc. V. Na plataforma do Mondego a presença das tropas e dos colonos romanos, desenvolvendo o processo da romanização, terá ocorrido bastante depois das “Guerras Lusitanas” (155-139 a.C.). O espólio de escavações, a epigrafia e os achados arqueológicos à superfície ditam que a ocupação e governo deste território, decorrente da pacificação entre invasores e lusitanos, ter-se-ão verificado sobretudo na mudança de era.

O território do atual concelho de Mangualde pertencia à Província da Lusitania, Conventus Scalabitanus, Civitas Interaniensis. Foi uma eficaz malha de viação principal e secundária que, interligando as populações autóctones, promoveu a dispersão populacional responsável pela ocupação de todo este território (anexo 2).

Disseminando-se pelas zonas baixas e de meia encosta, os luso-romanos habitantes da cerca de meia centena de estações arqueológicas hoje conhecidas, dedicar-se-iam às atividades agrícolas, pecuárias, artesanais, comerciais e mineiras. De simples estalagens a estações de muda, pequenos casais, Villae, vici, e castella, desconhece-se o principal aglomerado deste território. Contudo, é natural que a zona da Quinta da Raposeira, Quinta do Prazo e Fonte do Púcaro, na freguesia de Mangualde, estendendo-se até à Igreja Matriz, fosse uma mancha urbana importante que, olhando para o Monte da Senhora do Castelo, castro romanizado, se veria rodeada de villae e casais. Seria provavelmente originário da povoação, ou duma destas villae mais ricas, Caius Caelianus Modestus, aquele que ofertou a placa honorífica aos habitantes do Castellum Araocelum (anexo 3). Araocelum) poderia ser o castro romanizado implantado na Senhora do Castelo.

Alta Idade Média

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A falta de fontes históricas e arqueológicas impede um melhor conhecimento das manifestações do homem neste território durante a desagregação do império romano até ao séc. XI. A vinda dos povos “bárbaros”, na primeira década do séc. V, não terá passado ao lado do território mangualdense. Estruturado em paróquias, este território inserir-se-ia na zona suévica – Galiza e parte da Lusitânia romana – e estaria, em finais do séc. VI, sob a influência da coroa visigótica. A introdução e expansão do Cristianismo, impondo novas práticas funerárias, deixam as sepulturas escavadas na rocha, cronologicamente balizadas entre os sécs. VI e XI, povoar em número bastante elevado este território, refletindo um povoamento disperso. Em 711 os muçulmanos chegam à Península e em poucos anos dominam a maior parte do território. À época, as gentes cristãs de Mangualde estariam no alvoroço dos avanços e recuos das forças beligerantes no processo da Reconquista Cristã. Não há conhecimento de vestígios materiais da presença islâmica neste território, apenas sugerida em alguns topónimos, lendas e pelo alcaide mouro, Zurara, do castelo do topo do monte em Mangualde que, até à tomada do mesmo, por Afonso V e Bermudo III, terá sido durante algum tempo o senhor dominante. Fernando Magno, empurrando a fronteira cristã até Coimbra, em 1064, cria condições de estabilização no povoamento desta região. Com efeito, em oposição à dispersão dos séculos anteriores assiste-se à concentração populacional, originando a maioria das aldeias e vilas atuais, organizadas em torno das igrejas paroquiais. O Planalto Beirão do séc. XI mostrava um povoamento estável e o território fragmentado em “terras” tinha a cidade de Viseu como ponto central. É assim possível a D. Henrique e a D. Teresa a outorga de forais às terras de Azurara e às de Tavares.

Baixa Idade Média

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É no contexto da Reconquista Cristã, possibilitando a ocupação de novas terras pelos homens livres, que se foram organizando comunidades – os concelhos – constituídas por pequenos aglomerados populacionais assentes à volta das vetustas paróquias e possuidoras de autoadministração, baseada no compromisso entre a autonomia da comunidade de homens livres e a autoridade do rei ou senhor, substantivado nas Cartas de Foral. Os Forais, reconhecendo a existência das comunidades e seus privilégios, refletem a necessidade de fixar as populações e também a de consolidar o poder régio ou condal nesses territórios. É consubstanciada nesta dupla precisão que D. Teresa e D. Henrique outorgam Foral às Terras de Zurara e às de Tavares. Em favor destas políticas facilitadoras da permanência das populações, Afonso Henriques incrementou a instalação das ordens religiosas no território: Hospitalários, em Lobelhe do Mato, Santiago de Cassurrães e Abrunhosa-a-Velha, e São Bento em Moimenta e depois em Maceira Dão, consolidando a vida social, económica e política destas terras.

Ao longo de toda a Idade Média a paisagem geográfica, demográfica, social, profissional, económica, religiosa, política, administrativa e judicial é tipicamente um território tipicamente rural, inalterado quanto à autonomia concedida pelos forais, vivendo administrativamente sob o senhorialismo, nomeadamente com a família dos Cabrais e, mais tarde, com a dos Paes de Amaral.

Época Moderna

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Os forais de Dom Manuel espelham as políticas de uniformização e de ordenamento jurídico do território nacional. Também os concelhos de Azurara e de Tavares se viram regulamentados pela nova ordem através dos forais atribuídos por aquele monarca em 1514 e 1510, respetivamente. Ao longo desta época, pródiga em transformações mentais e sociais motivadas pelas descobertas de novos mundos, pela presença da Inquisição, pela perda e restauração da independência o atual território concelhio consolida o seu perfil social e económico, assente na ruralidade, verificado até à época contemporânea. A população cresce de acordo com a tendência nacional e, pela análise do Numeramento de 1527, a população do território ora em apreço era de 5838 habitantes. Os Paes do Amaral assumem a hegemonia no poder político e económico local. As famílias nobres detêm a propriedade agrícola e vão deixando as suas marcas na paisagem, sobretudo na da vila de Mangualde com a construção de vários solares. Também a fé levou à construção e restauro de vários templos. Do séc. XVIII, principalmente, data a quase totalidade das atuais igrejas nas paróquias do atual concelho.
Se as atividades agrárias eram a componente económica dominante, o comércio esboçava já alguma expressão. Refira-se a criação de várias feiras e mercados. Data de 1681 a licença, mandada exarar por D. Pedro II, para que na vila de Mangualde se realizasse uma feira anual. O posicionamento geoestratégico da rural vila de Mangualde leva a que, em finais do séc. XVIII, os fabricantes de lanifícios de Gouveia e Covilhã estabeleçam aí os seus armazéns, transformando-a num verdadeiro entreposto comercial de distribuição para todo o país. Esta atividade desenvolveu paulatinamente uma elite social que, em finais do séc. XIX e princípios do seguinte, será o grande agente do desenvolvimento local. Contudo, a ruralidade e uma sociedade de Antigo Regime mantém-se reafirmada.
Colocada na rota de passagem da 3ª Invasão Francesa, em 1810, as populações de Mangualde foram alvo de várias atrocidades e mortes e alguns dos seus edifícios mais marcantes foram alvo de pilhagens, com alguma delapidação do património artístico.

Época Contemporânea

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A transição do Antigo Regime para a contemporaneidade em Portugal, iniciada com as Invasões Francesas e pela Revolução de 1820, ficou marcada pela instabilidade política e social vivida até 1850, pela crise económico-financeira mundial de 1890-1891. As várias tentativas políticas governamentais implementadas no país redundaram, invariavelmente, na incapacidade de modernizar o Estado e de contrariar o atraso e distanciamento da economia face aos países mais desenvolvidos. É na permanência destas realidades que se implanta a República, em 1910, e que vê, também, substancialmente goradas as suas principais intenções: progresso económico, social e cultural, participação política do povo, reforço das funções sociais do Estado, desenvolvimento do ensino e atenuação do analfabetismo.

A Ditadura Militar de 1926, acentuando os problemas financeiros e a conflitualidade político-institucional, abre lugar ao Estado Novo, edificado a partir de 1933 por Oliveira Salazar. Na esteira das principais linhas do fascismo europeu inviabilizou a alternativa ideológica, instrumentalizou as Forças Armadas e obras públicas, controlou o ensino e forças sociais, designadamente as associações patronais, ordens e patronatos. Corporativizou a economia, invalidou a autonomia político-administrativa e as vontades de descentralização. Sobrevive à 2ª Guerra Mundial e às transformações do pós-guerra, mercê de vários condicionalismos. O intensificar da urbanização e da industrialização e terciarização, a emigração, o turismo, as Guerras Coloniais, a doença e morte de Oliveira Salazar e as “crises estudantis”, o reforço das oposições fragilizam o Estado Novo fazendo-o cair em 1974, implantando um regime democrático que leva o país à Comunidade Económica Europeia, hoje União Europeia.

A integração plena no mundo, o desenvolvimento económico, social e cultural, a autonomia das Autarquias, o acesso à saúde, a escolaridade para todos e a maior facilidade e acesso democratizado ao ensino superior, foram as etapas que Portugal trilhou desde a Revolução de 25 de Abril de 1974 até aos dias de hoje.

Para a região beiraltina, desde o Antigo Regime até à 1ª metade do séc. XX, é a economia agrícola e artesanal, de produção para a autossuficiência – apenas dinamizada pelas feiras e mercados locais e aliada à incipiente industrialização – que molda o panorama socioeconómico. Estes fatores constituíram, simultaneamente, causa e consequência do fraco desenvolvimento económico e de repulsão demográfica, traduzida por emigração.

O território de Mangualde evidencia um crescimento populacional absoluto desde 1801 até 1940, atingindo o máximo entre os anos 40 e 50 do séc. XX, com 25.340 habitantes. Daí até aos anos 70 dá-se uma extraordinária queda, retrocedendo até aos 17.344. Em sintonia com a região, Mangualde consentiu êxodo populacional orientado para as cidades do litoral e sobretudo para o estrangeiro. A recuperação operada desde 1970 até ao ano de 1981 – devida à redução da emigração motivada pela crise económica mundial, ao regresso dos retornados das ex-colónias portuguesas e à industrialização que já se fazia sentir – mostra-se insuficiente para contrapor a tendência de queda dos anos 50. Os Censos de 2001 e de 2011 reforçam o panorama de despovoamento deste concelho, com valores abaixo dos verificados em 1890 ( anexos 4, 5 e 6).

A persistência de vetores fundamentais da Época Moderna no Antigo Regime não impediu que o concelho de Mangualde experimentasse algum dinamismo económico com a instalação de armazéns da indústria têxtil da Serra da Estrela. A elite profissional consequente foi determinante na criação, ao longo do séc. XX, de empresas ligadas ao vestuário, metalurgia e madeiras, e de outros sectores, assentes nos benefícios da Linha da Beira Alta, inicialmente estruturadas numa lógica de mercado e economia locais. A atividade mineira da região de Mangualde foi forte. Dada a quantidade de óxido de urânio havia, em 1912, 34 minas registadas no concelho. Espalhadas por vários sítios deste território, foi na Cunha Baixa que a sua extração teve maior expressão, a partir dos anos de 1970. Outros minérios foram explorados e levaram à constituição de algumas empresas mineiras locais. Contudo, esta atividade não incutiu mudanças fortes, quer em termos económicos quer em termos sociais.
A industrialização da década de 60, fortalecida pelas vias de comunicação e pelo regresso de alguma emigração, altera o paradigma de desenvolvimento, agora numa polarização regional, nacional e internacional. Realidade permanente até aos dias de hoje, espalhada pelas várias Zonas Industriais, e também disseminadas pelo tecido urbano (anexo 7), acentuou a macrocefalia de Mangualde que, provocando erosão demográfica nas aldeias, a promoveu a ilha urbana num mar rural. Beneficiando do acesso a novas mundividências até ao advento da democracia, as elites sociais decorrentes deste processo de desenvolvimento económico pugnam, reivindicam e conseguem a instalação de estruturas para a instrução, cultura, recreio e serviços públicos vários.
Foi o papel dos empreendedores locais, os contextos legislativos vários, a existência de mão-de-obra barata e abundante, a linha de caminho-de-ferro, a presença da Citroën Lusitânia e o papel de alguns políticos locais que potenciaram a forte industrialização do concelho de Mangualde da última metade do séc. XX, mudando o fácies económico tipicamente rural para um modelo de industrialização especializada e de base diversificada, constituindo-se como referência de sucesso na região.
Concluindo: o desenvolvimento económico no período contemporâneo do atual concelho de Mangualde é marcado pelo pendor comercial e industrial, presente essencialmente na cidade. As freguesias rurais apresentam desenvolvimento na atividade agropecuária, sobretudo a partir da 2ª metade do séc. XX.

Para consultar bibliografia consulte o seguinte documento:

Texto de António Tavares

Créditos fotográficos e de imagens

Anexo 1: Nelson Ferreira, adaptado de Paulo Monteiro
Anexo 2, 3, 4, 5, 6 e 7: António Tavares